Células CAR TReg associadas à progressão da doença após o tratamento – Nem tudo são flores

A utilização terapêutica de células T autólogas programadas é um dos maiores avanços científicos em imunoterapia do câncer nos últimos anos. Nesse contexto, a terapia com células CAR T tem sido amplamente desenvolvida e consiste em modificar geneticamente linfócitos T para expressar o receptor quimérico de antígeno (CAR), capaz de reconhecer antígenos associados às células tumorais e eliminá-las. Desde a primeira aprovação pela FDA em 2017, alguns produtos baseados nessa tecnologia já estão disponíveis no mercado, com altas taxas de sucesso no tratamento de pacientes com malignidade de células B. Um desses produtos é o Axicabtagene ciloleucel (axi-cel), um CAR-T anti-CD19 empregado no tratamento de pacientes com linfoma difuso de grandes células B (LBCL) refratário à terapia convencional ou recidivado.

Recentemente, um estudo clínico demonstrou que pacientes tratados com axi-cel obtiveram resposta mais eficaz quando comparados ao tratamento canônico para LBCL. Adicionalmente, em pacientes com LBCL que não respondem ao tratamento convencional, cerca de 40% dos tratados com o axi-cel obtêm remissão completa após 6 meses, e a progressão da doença nesses pacientes após esse período de tempo é rara. Apesar do sucesso do axi-cel, ainda há cerca de 60% dos pacientes que não conseguem se beneficiar do tratamento, e dois terços deles desenvolvem toxicidades neurológicas severas, que podem ser fatais.

Para tentar entender os fatores intrínsecos envolvidos na falha terapêutica em mais da metade dos pacientes tratados com esse produto, pesquisadores da escola de Medicina de Stanford utilizaram uma ferramenta denominada CYTOF, que é baseada na associação de citometria de fluxo a uma espectrometria de massas. Essa tecnologia permitiu avaliar 37 marcadores associados ao fenótipo das células CAR T presentes no sangue dos pacientes tratados após 7 dias de infusão do axi-cel. A ideia inicial foi identificar biomarcadores associados à progressão da doença (PD) ou neurotoxicidade grave (NG), traçando o perfil funcional das células CAR T pós-infusão em uma coorte de 31 pacientes.

A expansão das células CAR T circulantes nos pacientes atingiu seu pico no dia 7 pós-infusão, e a frequência dessas células não mostrou diferença ou associação com a resposta clínica no controle de doença a longo prazo. Entretanto, com base nas características fenotípicas dos marcadores utilizados no estudo, foi possível identificar dois agrupamentos de células CAR T associados à resposta efetora. Ambos os grupos expressavam o marcador de senescência CD57 e tinham expressão inferior à média de proteínas inibitórias, como PD-1. A característica funcional dessas células CAR-T com fenótipo CD57+T-bet+ é consistente com T efetoras terminais CD57+ nos estágios iniciais da senescência, que permanecem altamente citolíticas e demonstraram restrição clonal significante.

Características das células T CAR associadas à progressão da doença e falha terapêutica

Surpreendentemente, eles também descobriram um agrupamento específico de células CAR T, caracterizado por alta expressão de genes como Helios, CD25, CTLA-4 e TIGIT, associados às células T reguladoras com função imunossupressora (Tregs). A presença de células CAR T CD4+CD57-Helios+ circulantes no pico de expansão após infusão foi associada à maior probabilidade de PD após 6 meses e um baixo grau de neurotoxicidade. De fato, essas células quase que exclusivamente expressam FOXP3+CD25High, são policlonais, são compatíveis com o programa de expressão dos genes TReg e possuem baixo potencial citotóxico. Adicionalmente, os autores realizaram estudo prospectivo com uma segunda coorte de 31 pacientes tratados com axi-cel, confirmando o aumento da frequência de células CAR com perfil TReg 7 dias após a infusão. Em ambas as coortes, os dados confirmaram a presença de células CAR-T pós-infusão com características de TReg têm baixa capacidade antitumoral e menor neurotoxicidade.

A partir dos dados gerados nesse trabalho, os autores elaboraram um modelo matemático preditivo de progressão clínica e risco reduzido para neurotoxicidade grave. Eles observaram que a presença de células CAR TReg in vivo foi independente da carga tumoral nos pacientes, quantificada pelos níveis de LDH (lactato desidrogenase). Contudo, a expansão das células CAR TReg nos pacientes foi sinérgica aos níveis de LDH como preditor de progressão. Portanto, quando os níveis de CAR TReg e LDH foram combinados, o modelo demonstrou ser superior na previsão da resposta clínica em comparação com cada característica isoladamente.

Os autores concluem que as células CAR TReg circulantes surgem como um potencial biomarcador de PD e neurotoxicidade reduzida. Good e seus colegas da Universidade de Stanford identificaram uma nova população de células CAR-T que podem ser ajustadas, no momento ou após a infusão, com o intuito de otimizar a capacidade antitumoral dos produtos gerados, beneficiando também os pacientes que atualmente não respondem às terapias avançadas.

Referências

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